Toda manhã era a mesma rotina. A mesa do café já estava posta, quando
dei conta que já era hora de levantar. O cheiro do bolo de laranja perfumava o
ambiente, assim como o do café recém passado pelo coador, podia até imaginar a
organização da mesa com os quitutes caseiros. Cambaleante movimentava meu corpo
em direção ao banheiro. Diante do espelho fiz uma análise criteriosa de minhas
recentes rugas, após lavar meu rosto com um sabonete a base de creme
hidratante. Terminado toda fase de higienização me locomovi em direção à mesa
do café. Todos os lugares estavam vagos da mesa, poderia escolher qualquer um. Naquela
hora já haviam terminado seu café e cada um foi em busca dos seus afazeres. Uma
melancolia invadiu meu corpo neste instante ao deparar com aquela visão, mas
segui minha própria rotina tomando um copo de leite quente adoçado com mel, e uma
fatia média de bolo de laranja.
Estava pronta para ir trabalhar quando vi um bilhete pendurado no
refrigerador dizendo que todos foram para o sítio e que estariam de volta na
noite do dia seguinte. Foi quando dei conta de que era sábado e estaria sozinha
todo final de semana. Resolvi colocar uma música para tentar animar o ambiente
e beber umas doses de Whisky puro para entrar num clima festivo com minha
solidão. Parecia uma louca rindo e dançando só ao som de Frank Sinatra.
Era quase três horas da tarde quando meu estomago começou e emitir sinais
para meu cérebro que estava com fome. Ele ignorava estes, pois estava relaxado
com a bebida e apenas a desejava. Acabou a garrafa de scotch quase três horas
depois de ser aberta. Resolvi abrir um Cabernet Sauvignon que estava no
refrigerador. Neste momento aproveitei e preparei uma tabua de frios com Brie, Gouda
e Gruyère, para saciar a fome que já era insuportável. O som tinha parado e com
duas ou três fatias de queijos degustadas, adormeci.
Deitada no carpete da sala com duas almofadas de estampas indianas na
qual davam suporte a minha cabeça despertava com um barulho que vinha da rua. Sem
dar muita importância para este barulho e meu visual que devia estar
horripilante, abasteci minha taça vazia com o vinho que restará da garrafa,
ligando novamente o som para escutar Sinatra.
Os risos voltaram e nem me dei conta de que estava sozinha. Nunca tinha
me divertido tanto com minha solidão. Três garrafas de vinho e já estava transbordando
felicidade, mas em alguns momentos um pouco de angustia me envolvia e quando
ela vinha uma taça de vinho era o suficiente para espanta-la. Invadi a
madrugada bebendo e beliscando os queijos que havia preparado. Assisti um filme
de Almodóvar, depois quando o galo já pensava em cantar um documentário sobre
Holocausto, por fim, cai em sono profundo.
Dormi tanto que só acordei na segunda. Estava em minha cama e como toda
manhã, a mesma rotina. Só que desta vez mesmo com a cabeça pesada vez, ao olhar
as rugas crescentes do meu rosto pelo espelho, um sorriso apareceu e pensei: finalmente
aprendi a me divertir com a solidão. Indo para mesa de café com uma satisfação
conclui estar ansiosa para que chegue logo o próximo final de semana, só que
desta vez irei dança e cantarolar ao som de Chico Buarque.